terça-feira, janeiro 10, 2006

trinta e dois *



em segredo digo que hoje chorei uma coisa parecida com sangue que se espalhou telúrica pelo chão do corpo - essa coisa cheirava a sombras e a letras como as letras das sopas que a minha avó costumava fazer - em boa verdade chorei uma coisa que parecia sangue e custava a sair dos olhos como se fosse areia e ao longo do corpo representou locais onde nunca estive. em segredo chorei uma coisa que lembrava sangue e figuras aladas nasceram dos sítios onde o sangue que em boa verdade chorei hoje caiu.
chorei em segredo uma coisa que sangrava pelos olhos e pelo rosto e plantei o teu nome e o teu rosto no chão do corpo num temor absurdo de que me deixes um dia. em segredo te digo que hoje chorei uma coisa em itálico e essa coisa soletrada dava o teu nome ao longo do meu corpo num temor perpetuado que me esqueças e que um dia acordes sem mim em ti como agora e em boa verdade te digo em segredo que vivo porque plantei o teu nome no chão do meu corpo e soletrado o fruto colhido era semelhante a um amor que não sei sequer definir.
hoje chorei em segredo uma sombra que parecia quase areia a escorrer-me em sangue pelos olhos e nos sítios onde plantei areia que cheirava a sal e a mar e a corpo que soletrado dá o teu nome despido de folhas e de frutos nasceu uma árvore de ramos enormes e francos que dava sombra a animais pequenos e grandes da mesma maneira. hoje digo-te que em boa verdade em segredo chorei o meu coração pelos olhos com um temor enorme de perder os teus olhos e o som telúrico do teu corpo que me fala através do silêncio e da tua pele entranhada no silêncio. em silêncio chorei um segredo de aves rasgadas de um céu de olhares discretos e de vontades escuras de uma sombra luminosa que a voz da aurora apresenta todos os dias aos cabelos da noite. em segredo hoje chorei o silêncio dos teus cabelos e em itálico soletravam juntos o teu nome e o teu sangue e de dentro de mim surgiu outro sangue menos liquído, sólido e doce, em forma de sentimento, e dei-to para que o guardasses sempre em ti e hoje, meu amor, em boa verdade te digo que em silêncio chorei o evangelho da paz e da vida e nele encontrei as tuas mãos e o teu cheiro que me fala de tempos que não vieram e que temo não chegarem a vir nunca. meu amor chorei hoje em silêncio um segredo de sombras e um medo de que me esqueças e de que um dia acorde sem ti sem tudo o que soletrado possa ser dito da forma amor ou só simplesmente como o teu nome de aves quentes e de sóis mornos por entre abraços.

chorei em segredo uma coisa que cheirava e sabia a sangue e dela saiu um medo de que um dia acorde e sejas uma sombra luminosa por um caminho de aves quentes e de sóis mornos por entre abraços.
eu tenho medo sem ti. e quero uma coisa que soletrada possa ser entendida como abraço ou então como
eternidade porque quando em segredo choro uma saudade de ti por entre o amor sem itálico tenho a certeza dos teus pequenos tudos ao longo de uma coisa que soletrada, pelo chão do corpo, é igual a sempre.

mas só porque tu cheiras a um sangue doce. sólido. único. colo eterno de aves mornas. abraço grande de sóis lacustres. quero-te para
sim
sempre.



* - in
Leonor, para a Leonor.

3 comentários:

João Silveira disse...

acho que é a primeira criação realmente artística e bela deste blog.
lindíssimo.

groze disse...

Hmmm... eu acho que está longe de ser a primeira. Mas, sinceramente, sem falsas modéstias, gostei muito deste texto e queria pô-lo num espaço mais para além do Leonor, se possível acompanhado de uma imagem. Contudo, sendo para quem é, queria poder saber fazer muito, mas muito mais que só isto.

Anónimo disse...

Escreve assim apenas aquele que o faz também com sangue e sangra ainda, contudo
Escreve,pois isso lava e guarda vivo sem que com isso sequemos aquilo que persiste em circular em nós